quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Dona Marinhinha faz 90 de história e cultura de Canindé de São Francisco

Maria Ricardo dos Santos, mais conhecida como Dona Marinhinha, é de um lugarejo pequeno que ficava nas margens do rio São Francisco e que foi enundado pelas águas do Rio São Francisco pela ocasião  da construção da barragem de Xingó que resultou grande lago, hoje visitado por tantos turistas. Esse pequeno arruado chamava-se "cabeça do Negô." Nascida no dia 27 de outubro de 1920, portanto completou 90 anos de idade, de existência, de luta e sabedoria, sendo ainda um registro vivo da história de Canindé de São Francisco que muito tem a dizer dessa terra. Teve 16 filhos e mais de 60 netos. 


Filha de Canindé de São Francisco, nasceu na fazenda Cuiabá, hoje assentamento do MST-Movimento dos Sem Terra, que ainda leva o mesmo nome predominativo da velha fazenda. Ainda naquele tempo as terras de Canindé pertenciam ao morgado de Porto da Folha. Dona Marinhinha  já nasceu na lida bruta e aos 7 anos de idade já fazia pequenos trabalhos da vida sertaneja: buscar água, lavar pratos, "tanger" as cabras, limpar o feijão de enxada, colocar água para as cabras e outros serviços que substitue as brincadeiras das crianças do sertão.


Nunca foi a escola e o pouco que aprendeu foi a vida que lhe ensinou. Casou-se muito cedo, como era de costume, e teve uma vida dificil para sustentar aos filhos, motivo pelos quais Dona Marinhinha ou Dona Maria, teve que assumir o papel de mãe, pai e dar o sustento aos filhos. Por essa época o esposo que já era falecido tinha comprado um pedaço de terra, 100, tarefas que à época custou CR$: 100.000,00 (Cem Mil Cruzeiros) em moeda daquele tempo e algumas poucas cabeças de gado e cabras. Ela veio a ter como primeira profissão a de vaqueiro, pois os animais necessitavam de cuidados e atenção, sendo que a seca tudo devora e o resultado de um trabalho inteiro de um ano pode finar-se no outro. Logo ela percebeu que tinha que trabalhar para alimentar as vacas. A propriedade só tinha mato e era preciso fazer pastos e foi ai que Dona Maria viu a realidade que tinha em sua frente. Sozinha e com 14 filhos "nas costas", como ela diz, teve que ser mulher de verdade para cumprir as tarefas que lhe aguardavam pela frente. 

Ela relata um pouco a sua história: 

  
 Nunca saiu do município e para manter a sobrevivência, dura sobrevivência de sertaneja, fez de tudo na vida como ela mesma fala: 
- "fiquei viuva e sozinha muito cedo aqui nesse deserto. Só via mato, bicho bruto, sol e chuva. Canindé fica distante uma légua e eu só ia lá para compara alguma coisa de necessidade ou pagar divida. Quando os meninos cresceram mais um pouquinho eu mandava eles. Tive 14 filhos e foi dificil criar. Naquele tempo as coisas eram dificeis e para uma mulher ainda era muito pior. Vezes tinha o dinheiro para comprar os "comistíveis" e não tinha "comistivi" e as vezes tinha "comistive" e não tinha o dinheiro. Era dificil viver. Gado morria de fome, de sede de doença, picada de cobra e as vezes até "desapareciam", eu não podia fazer nada, era sozinha. Foi ai que eu levantei as mãos e para sustentar a família eu fiz de tudo:  plantava roça, milho, feijão, palma, fazia carvão, carregava feixes de lenha nas costas e na cabeça, de infverno à verão.  Trabalhava que nem doida. Pescava pitu (Camarão de valioso sabor das águas dos rios) para vender por dúzia na feira da Curituba. Trabalhava de machado, fazia costura, fazia sabão da terra e por fim comecei a fazer panelas de barro por encomenda, que eu aprendi por mim mesma. Eu nunca mais quiz saber de casamento e nem de homem, só fiz criar meus filhos e alguns netos até os dias de hoje."Relata com o olhar profundo e cheio de lembranças.
Em meio a tudo isso que Dona Marinha fez para sustentação da familia está uma grande arte que, ao menos aqui na região, parece estar se dizimando, sem sem deixar registros e muito muito menos sucessores. Essa arte é a de fazer panelas e utensílios de barro e várias outras peças e ornamentos e até esculturas. Era muito comum, na vida do sertanejo, observar que boa parte dos utensílios da cozinha eram feitos do barro e até nas casas de senhores abastados elas figuravam como peças de utilidade e de enfeites.


Uma cultura que não existe olhos para ela; sem incentivo, que não é dado o valor cultural, social e humano que deveria ter por merito contribuitivo à história do povo Canindeense. Um resgate deveria ser feito em nome da arte do barro que predominou por tanto tempo na região. A começar da própria casa (família) de Dona Maria, levando-se em conta que nenhum dos filhos ou netos tiveram o interesse ou o dissernimento para a apredizagem e domínio da técnica que ela  dominava. A arte de confeccionar as panelas, potes, bacias e agridais de Dona Marinhinha foram encomendadas de longe, em lugares como Propriá, Piranhas, Pão de Açucar, Gararu e vários lugares do baixo São Francisco. As peças foi transportada de carro, canoas, à cavalo para longe. Uma técnica que encerra-se com ela e um fim cultural aqui em Canindé.


Nas peças que ela confeccionava estão presentes: taxo para mexer pirão e outras finalidades, agridao para lavar mãos e rosto (espécie de bacia), potes de vários tamnhos e finalidades, jarras para água, sucos e ou para enfeites, pratos de vários tipos e formatos, cachimbos, bacias de diversas finalidades também, etc. "Nessa época - comenta Dona Maria - 60 anos atrás, o alumínio e o plástico aqui era difícil e quando aparecia era caro e pouca gente podia comprar. Ai o povo mim encomendava as peças e eu fazia com muito gosto. Eu chegue a perder a conta de quantas fiz, mais, acho que pertinho de umas 1000 peças." 


Na casinha que ficava nos undos de sua residência ela fconfeccionava as peças por encomenda do pessoal da vizinhança. O trabalho da confecção era árduo, relata: "Vós micê arrepare cuma que num é mole fazer as peças; tem que procurar o barro certo para isso, depois pela madeira certa, se não num queima bem e tem que ser de imburana (umburana); adispois fazer os acabamentos. Tinha dia, quando tava sem coragem eu fazia  10 peças em uma semana, mais as vezes até 6 ao dia, dependia né."  

Essa produção dependia do tamanho da peça e da auto estima pessoal que não era fácil com uma vida tão dura como ela levava. O estado de espírito contava.


Hoje a panela de barro é objeto de ornamentação em hotéis, restaurantes, centros de artes e em lugares de grande luxo. Enfeitam salões, ornamentam  as mesas nos melhores restaurantes que vão do estilo rústico ao mais clássico, para pessoas de boa classe e apreciadoras de arte. São um verdadeiro toque de especialidade da beleza morbida e rústica, resquicio de uma cultura sem incentivo dos governos.


Hoje existe até um público especial para elas. Esses objetos ganharam ascensão social, financeira, decorativa e chegam a ser colecionadas por pessoas elitizadas ou apreciadores da arte.

 
È muito comum se servir, em restaurantes ou casas de almoço, em panelas de barro a peixada, moqueca, sururu, buchada, feijoada e por ai vai. A panela de barro é uma peça que chama a atenção. Pela importância cultural que tem, deveria se tentar, pelo menos na região de Canindé, porque é aqui que falamos e damos direção a essa história de, através da promoção da secretaria de cultura local, orgão da prefeitura, efetuar projetos de resgate, vídeos historiológicos e não deixar esta arte se findar sem um registro merecido de parte da história de Canindé de São Francisco. Promover, por assim dizer,  um resgate histórico e cultural.


Segundo Dona Marinhinha, uma única peça chegava a demorar cerca de 3 horas para ser confeccionada. Depois colocada no fogo (forno), esperava-se "dar o ponto" e isso poderia levar dias.

Como intenção de projeto cultural, poderia servir de ensinamento e terapia para idosos e outros interessados. É interessante que o corpo do idoso tenha atividades físicas como o dança, exercicios regulares, mais, é preciso valorizar a mente, o intelecto e promover um bem que guardamos para a velhice  que é o ato de conversar. Os idosos necessitam muito do diálogo e da atenção. Sem a prática do intelecto muitas lembranças podem falecer e os idosos, sem esses exercícios perdem ao poucos a memória com facilidade, justamente pela pouca força do habito de raciocinar e mesmo o simples gesto de pensar.


Uma peça, há época, era vendida por 2.000 contos. Até hoje Dona Marinhinha se diz com disposição para muitos trabalhos. 
- "Eu como de tudo e não tenho problema de pressão, nem alta nem baixa, nem tenho colesterol, diabetes, gripe, febre, dor de cabeça, nem nas pernas." 

Com a idade que tem Dona Maria ainda ordenha cabras, varre a casa, lava os pratos, suas peças intimas, faz comida, arruma o seu quarto, varre o terreiro. È um exemplo de vitalidade, lucidêz e de perseverânça. Só reclama um pouco da visão, mais, acha normal e diz que "uma comida feita na panela de barro e no fogo de lenha é prato ispeciá e tem o gosto diferente é bem mais gostoso."


Outro oficio que Dona Marinhinha aprendeu foi a confecção do sabão que se chamava "sabão da terra. Ele era feito de sêbo de boi, cinza de carvão, água e muito trabalho. Coloca num taxo e mexe por uma semana até dar o ponto." Diz ela. "O povo daqui tudo mim encomendava e eu fazia também; ele é um sabão que tira a sujeira e num deixa cheiro; o óleo dele é forte e arraca qualquer gordura." Acrescenta Dona Maria. Mais um resgate a ser feito na cultura e história de Canindé.

Quando os trabalhos de construção da usina Xingó estavam chegando ao final da obra, uma equipe de arqueólogos da UFS-Universidade Federal de Sergipe, liderados pela arqueóloga Doutora Cleionice, vieram fazer escavações no local onde ficava o lugarejo "Cabeça do Nego" e lá encontraram diversas peças de barro do período primitivo e algumas datavam de mais de 16 mil anos atrás. Essa peças pertenciam aos antigos que povoaram essa faixa do baixo e médio rio São Francisco. Elas estavam bem conservadas em um sítio arqueológico. Foram catalogadas, datadas e selecionadas para a exposição e em seguida foi construído o MAX- Museu de Arqueologia do Xingó, aqui em Canindé onde elas expostas para apreciação pública.


Foi com o barro que o homem se comunicou pela primeira vez, traçando uma linguagem simbólica e hereoglifica e assim nascia os primeiros passos para a escrita. Diz os registros achados em Ur. Em algumas teorias diz-se que o homem vem do barro, da terra e para ela voltará. O adão da bíblia foi moldado de algo semelhante ao barro. Os pergaminhos, na antiguidade, eram guardados em potes de barro; no Egito antigo, os potes tinham valor de ouro. A história está cheia de referências a argila e a sua valorosa contribuição na vida do homem até os dias de hoje é de grande importância.


Dona Marinhinha fez a sua parte e deu  grande contribuição para a historia, cultura, economia e humanitário de Canindé de São Francisco. È uma moeda de valor inestimável. Para os que entendem sua história e contribuição. Uma nonagenária ainda em fase de lucidêz absoluta.


Dona Maria se iguala a Zé Leobino, Salomão, Dona Didi, seu Daniel, aos velhos vaqueiros, canoeiros da região tão sofrida do baixo São Francisco e outros que valem o mesmo peso de ouro e merecem reconhecimento histórico, cultural e humanitário. Construir a história de Canindé sem esses fatos e essas pessoas será pura e mera "istória de faz de conta."


47 anos, é a idade de um dos potes que ela fez e que ainda se mantém intacto no interior da cozinha de sua casa. Guardando água fria e matando a sêde de filhos, netos e de quem mais aparecer por lá. Prova viva da sua arte para quem quiser ver e apreciar um verdadeiro tesouro de transmissão de fé, luta, vitórias e conquistas, além de fonte de sabedoria viva e que engrandecem ao povo de Canindé de São Francisco, algo para que a história registre como patrimônio da nossa história e cultura. Dona Marinhinha é irmã de seu Daniel da "pedra d´agua "antigo" , vaqueiro que também tem quase 90 anos de idade eles formam a velha guarda e reserva cultural desse povo. Canindé sua história e seu povo. 

O mundo precisa saber a parte da beleza da história que ainda está soterrada e os meios de comunicação podem dar essa contribuição. Durante muito tempo Canindé foi vinculado a "manchas vermelhas" quando na verdade o que deve predominar é a verdadeira história que muitas vezes não rende ibope mais pode ajudar a dizer um pouco desse povo que tem sua cultura e teve a sua boa imagem vinculada a fatos em que nada ou pouco teve à ver. Em fim os dias de hoje são diferentes e Dona Maria está ai para contar.
fonte:revistacaninde.blogspot.com

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